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Em Abril de 2013, Jess Franco (1930–2013) partiu, mas continuou bem vivo. Vimos ou revimos quase cem filmes da sua vasta filmografia e dedicamos-lhe a iniciativa Jess Franco: Um Mapa, em colaboração com o blogue My Two Thousand Movies e a página The astounding Dr. Wollmen in the charming planet of the secret wonders, num percurso pelos seus mitos, personagens, produtores, actores e musas, com uma atenção especial para dezoito filmes. Em quase dois anos de existência, foi a primeira vez que o there's something out there se lançou numa operação desta dimensão. Para 2014, está prometida uma nova iniciativa nos mesmos moldes e em colaboração com as duas páginas mencionadas. A nível internacional, prosseguiu a divulgação da obra de Franco com edições esplêndidas em formato digital, com destaque para três títulos disponibilizados pela Redemption Films: A Virgin Among the Living Dead, Nightmares Come at Night e The Awful Dr. Orlof. Durante o primeiro mês de 2014, está previsto o lançamento de Le miroir obscène pela Artus Films, num duplo DVD com as montagens francesa e espanhola, radicalmente diferentes. Rodado na Madeira, é considerado um dos melhores filmes de Franco, até agora, quase impossível de ver, excepto numa péssima montagem, VHSRip, dirigida ao mercado italiano e com inserts hardcore. Em Outubro, no Festival Sitges 2013 foi apresentado Revenge of the Alligator Ladies, uma versão inacabada de um novo filme que contará com cenas filmadas por Jess Franco e outras por Antonio Mayans, colaborador de longa data do realizador.

A Faber and Faber reeditou Energy Flash: A Journey through Rave Music and Dance Culture de Simon Reynolds. Reputado jornalista e crítico musical, Simon Reynolds participou em raves memoráveis e entrevistou os principais protagonistas, destacando a experiência da musica num fenómeno que, muitas vezes, é reduzido ao consumo ilícito de drogas. Examinando a evolução da música de dança desde os antecedentes do Second Summer of Love, a chegada do acid house e a sua relação com o ecstasy, a nova edição conta com uma importante actualização através de um novo capitulo dedicado aos desenvolvimentos recentes: a implantação do dubstep, a adesão da América à Electronic Dance Music (EDM) e a transição da cultura da música electrónica do analógico para o digital, com o declínio do vinil e a integração com a internet (blogues, sites, fóruns, podcasts, YouTube ou Souncloud). Em termos mediáticos, Skrillex é a imagem recente de um fenómeno que agora prefere a denominação de festa ou festival, procurando desligar-se do estigma da ilegalidade com que é conotado o termo rave, e que largou o campo, os clubes ou os armazéns abandonados para se instalar em equipamentos ao ar livre vocacionados para a pratica do desporto, capazes de acolher dezenas de milhares de entusiastas e localizados em zonas banhadas pelo sol: Los Angeles, Florida e Texas. Quanto ao dress code, Reynolds assinala as grandes diferenças entre 2012 e 1996, desde a última vez que tinha presenciado na América um acontecimento dessa escala: The boys' pants aren't as crazy-stupid wide. And the girls have sexed up their look considerably: lots of Daisy Dukes and bikini tops, even the occasional 'Party With Sluts' T-shirt. Some of these college-age and conceivably high-school-age girls look like they've stepped straight out of a Victoria's Secret catalogue.

São muitos destes sons e imagens que nos interpelam em Spring Breakers de Harmony Korine. Logo a abrir: sol, drogas, bikini tops, Daisy Dukes e o tema Scary Monsters And Nice Sprites de Skrillex. Na costa da Florida, enquanto ouvimos EDM e trap, quatro adolescentes - Vanessa Hudgens, Selena Gomez e Ashley Benson, a irem até onde podem ou o seu estatuto de idolos teen lhes permite, e Rachel Korine - perseguem a ilusão de um "Verão Eterno", fingindo que se trata de um jogo de vídeo, agindo como se fosse um filme ou um teledisco de gangsta rap, sem medo de nada, inclusive da criminalidade e da violência juvenil. Nos primórdios do gangsta rap, os Consolidated dirigiram-lhe um hino corrosivo em que pediram às The Yeastie Girlz para cantarem, em You Suck, as palavras de ordem: I know you're really proud, cause you think you're well hung, but I think it's time you learn how to use your tongue... Now, you suck. Suck it hard. Go down, baby. You suck. Lick it hard. And move your tongue around. Um bando de rapazes brancos cometia o atrevimento de questionar a misoginia e a homofobia que prevalecia neste tipo de temas, invertendo os papeis atribuídos ao homem e à mulher, e aproximava-se das acções de revindicação feminista do movimento Riot grrrl. Em Spring Breakers, Harmony Korine ensaia o mesmo, o que ressalta melhor nas cenas em que as raparigas obrigam o gangsta Alien (James Franco) a fazer um fellatio às pistolas e na matança final que dirigem ao gangue. Enquanto prolongam a Spring Break, repetem mensagens para os familiares, em que relatam a experiência, assinalando a singularidade e a espiritualidade dos lugares, a descoberta da identidade, o acolhimento, a simpatia, o valor da amizade, a magia e a beleza. Não existem evidências da veracidade do conteúdo das mensagens enviadas e a montagem demonstra aleatoriedade entre o que é dito e o que é visto. Não se trata tanto de uma mentira, mas de algo em que as personagens querem realmente acreditar. Um sonho ou o caminho rumo a uma utopia, longe da realidade insuportável para onde não querem voltar. Da redundância à indiferença pelas imagens que nos rodeiam - via Instagram, YouTube, telediscos, videojogos e filmes -, Spring Breakers recria a vertigem do fluxo digital. A partir da banalidade e do excesso, Korine devolve-nos um milagre, montando um fabuloso poema visual sobre a possibilidade de juventude eterna, entre a vontade e a incapacidade de se emancipar desse fluxo interminável de imagens. O que resulta, igualmente, belo e trágico.

Será que se trata de uma aproximação renovada à cultura rave ou as das suas exéquias, como o nome parece sugerir? Reunindo sons de plataformas industriais e de cidades desertas, chuva, ruídos criados pelo manuseamento de vinil e samples retirados de filmes e de videojogos, o dubstep de Burial pode ser entendido não só como um posicionamento perante o fantasma da rave e o lamento por um passado perdido de energia colectiva, mas também como a música do presente, enquanto futuro antecipado. Tendo lançado dois álbuns aclamados, Burial (2006) e Untrue (2007), Burial manteve a identidade escondida, tanto do público, como dos familiares e amigos. A nomeação para o Mercury Prize lançou os tablóides britânicos numa campanha para descobrir o seu verdadeiro nome. Aphex Twin e Norman Cook foram apresentados como algumas das hipóteses. A pressão mediática ou a vontade de comandar o jogo alimentado pela comunicação social, levaram-no a identificar-se como William Bevan e a colocar o retrato na sua página do MySpace. Uma pesquisa no Google revelava que o nome estava associado a uma agência funerária de carácter familiar. A partir dessa data, Burial nunca mais regressou aos álbuns, preferindo singles e EPs, em nome próprio ou em colaborações com Massive Attack, Four Tet e Thom Yorke, dos Radiohead. Com um número muito limitado de entrevistas e sem aparições públicas, pouco mais se falou da sua identidade, até à passagem para 2013, em que se voltou a especular que, afinal, Burial seria... o mesmo Four Tet, com quem tinha colaborado. A questão da identidade é também um elemento central da sua obra, desde os primeiros trabalhos, com a androginia das vozes, que parecem vindas de divas do R&B e da rave, manipuladas electronicamente até um ponto de indefinição do sexo. Ou seja, anjos, como ele lhes chama, sem sexo. Rival Dealer, o EP que lançou no final de 2013, em vez de clarificar o jogo, aparentemente, obriga a realinhar as coordenadas. São três temas, dois bastante longos, cada um dividido por secções separadas por silêncios, chuva ou estática, em que cada nova secção nem sempre parece parte do mesmo tema. A unir as secções e os temas, vozes que repetem as mesmas palavras, por vezes ao longo de todo o disco. E o que é que ouvimos? Perguntas e palavras de conforto em torno da procura identitária: "Excuse me, I'm lost", "Who are you? Why don't you come to me?", "You are not alone.", "This is who I am.", "Sometimes you try to find yourself, and you run away, allways. That's what happened to me.". Nos últimos minutos do disco, no tema Come Down To Us, a cineasta Lana Wachowski, num depoimento na Human Rights Campaign sobre a negociação entre a vida pública e privada, fala da sua experiência enquanto transexual, do caminho entre um ser unlovable e lovable, e lança um desejo: this world that we imagine in this room might be used to gain access to other rooms, to other worlds previously unimaginable. Terminado um ano em que, nalguns dos filmes mais importantes, vivemos entre corredores, portas e quartos - James Wan, Ti West, Jean-Claude Brisseau -, é essa vontade de aceder a mundos inimagináveis que queremos transportar para 2014, de modo a exorcizar, de vez, fantasmas bem reais.




















Die Marquise von Sade (Doriana Gray, Jess Franco, 1976)




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Harmony Korine, Spring Breakers
James Wan, Insidious: Chapter 2
Paul Schrader, The Canyons
Kathryn Bigelow, Zero Dark Thirty
Quentin Tarantino, Django Unchained
Alain Guiraudie, L'inconnu du lac
Brian De Palma, Passion
Hong Sang-soo, Da-reun na-ra-e-seo (In Another Country)
Adam Wingard, You're Next 
Jean-Claude Brisseau, La fille de nulle part
Jia Zhang-ke, Tian zhu ding (A Touch of Sin)
Fede Alvarez, Evil Dead
Abdellatif Kechiche, La vie d'Adèle - chapitres 1 et 2



Vampir-Cuadecuc (Pere Portabella, 1969)





+ 13
Actor: James Franco, Spring Breakers (Harmony Korine)
Actriz: Adèle Exarchopoulos, La vie d'Adèle - chapitres 1 et 2 (Abdellatif Kechiche)
Argumento: Bret Easton Ellis, The Canyons (Paul Schrader)
Banda sonora: Spring Breakers (Harmony Korine)
Entrevista: Albert Serra (À pala de Walsh)
Evento: Um Natal Português (My Two Thousand Movies) / Peter Emanuel Goldman (YouTube e RE:VOIR)
Televisão: American Horror Story: Coven (Ryan Murphy, Brad Falchuk), 3ª Temporada
DVD: Vampir-Cuadecuc (Pere Portabella), Blaq Out
Blu-ray: A Virgin Among the Living Dead (Jess Franco), Kino Lorber/Redemption Films
Lost & found: Sangre de vírgenes (Emilio Vieyra, 1967) 
A grande (des)ilusão: The Conjuring (James Wan)
O pior: Mama (Andrés Muschietti)
O mais aguardado: The Sacrament (Ti West)























Burial, Rival Dealer, Hyperdub, 2013





+ + 13
Burial, Rival Dealer (Hyperdub)
Dean Blunt, The Redeemer (Hippos In Tanks)
Kanye West, Yeezus (Def Jam Recordings)
Logos, Cold Mission (Keysound Recordings)
Mssingno, Mssingno (Goon Club Allstars)
Kelela, Cut 4 Me (Fade To Mind)
Forest Swords, Engravings (Tri Angle)
Lustmord, The Word As Power (Blackest Ever Black)
Daft Punk, Random Access Memories (Columbia)
Mumdance, Twists and Turns (mixtape)
Powell, Untitled (The Death Of Rave)
Fuck Buttons, Slow Focus ‎ (ATP Recordings)
The Weeknd, Kiss Land (Universal Republic)



Uma menção especial para The Innkeepers de Ti West, (mal) distribuído em Portugal em 2013, que já tínhamos considerado na lista de 2012. Como complemento, ver lista do melhor terror de 2013 (aqui).


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